O Janeiro Branco nos lembra que saúde mental é problema de todos

Legislação brasileira exige que Poder Público ampare, acolha e trate o cidadão brasileiro portador de transtorno psíquico – mas é preciso que toda uma vila abrace a diversidade
Saúde mental depende da existência de condições para uma vida digna, e deve contar com a constante articulação de indivíduos, famílias, comunidades e da sociedade como um todo: “it takes a village”

O Janeiro Branco é uma campanha brasileira iniciada em 2014 com o objetivo de chamar atenção para o tema da saúde mental na vida das pessoas.

Janeiro foi escolhido porque é neste mês que as pessoas estão mais focadas em resoluções e metas para o ano, e portanto o momento ideal para se lembrar da importância da saúde da mente como uma prioridade.
A campanha foi criada por psicólogos de Uberlândia, Minas Gerais, e busca incentivar as pessoas a mudarem suas vidas e se voltarem para aquilo que as fazem felizes.
Partindo desse pressuposto, e sendo a saúde mental um direito fundamental do cidadão previsto na Constituição Federal – que estabelece como dever do Estado assegurar bem-estar mental, integridade psíquica e pleno desenvolvimento intelectual e emocional, é urgente debater esta agenda temática. Órgãos públicos e entidades das áreas de Saúde e Justiça têm o dever de propor e envidar esforços no sentido de reconhecer e implementar os direitos da pessoa com transtorno mental, que estão garantidos não só na Constituição mas também enumerados na Lei 10.216/2001, que aborda a proteção e direitos desses cidadãos e cidadãs e redireciona o modelo assistencial da área.
Nossa Carta Magna exige a implementação de políticas públicas voltadas à redução do risco de doença e de outros agravos, e o acesso universal e igualitário às ações e serviços de atendimento especializado, incluindo aquele destinado às pessoas com transtorno mental – grupo que representa 23 milhões de brasileiros, ou os 12% da população que apresentam algum sintoma de transtornos mental, psíquico ou emocional.

Gestores públicos têm que criar políticas

Para que a saúde mental seja um direito de fato é indispensável, portanto, que os gestores públicos contemplem em seus planos e programas de governo as ações, os serviços e os equipamentos necessários à prestação de cuidados às pessoas com transtorno mental.
Isso porque os serviços e atendimentos voltados a esse grupo – inclusive os dependentes de álcool e outras drogas, e os que praticaram ilícitos penais –, devem ocorrer na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) em regime de cooperação e descentralização com as secretarias de saúde de estados e municípios.
É importante destacar que o funcionamento da rede de saúde mental – formada por unidade de saúde, centro de atenção psicossocial, residência terapêutica, consultórios de rua e outros equipamentos – depende de uma formação adequada e do envolvimento de profissionais de saúde como enfermeiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, médicos, atendentes, psicólogos e técnicos de Saúde.

Direitos estão previstos em lei

No Brasil, o direito à saúde mental é uma garantia constitucional também amparada pela Lei e já conta com o acesso gratuito e facilitado a vários serviços públicos de atenção e auxílio.
A Lei Federal 10.216/2001 foi uma conquista do movimento social organizado em prol da saúde mental e que deu respaldo e legitimidade ao processo de Reforma Psiquiátrica.
Está lei dispõe sobre a proteção das pessoas com transtornos mentais e redireciona todo o modelo assistencial na área, reconhecendo como direitos:

  • Acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com suas necessidades;
  • Ser tratado/a com humanidade e respeito, e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde para alcançar sua recuperação mais a inclusão na família, no trabalho e na comunidade;
  • Ser protegido/a contra qualquer forma de abuso e exploração;
  • Ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
  • Ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização sem sua concordância;
  • Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
  • Receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
  • Ser tratado/a em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
  • Ser tratado/a, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Nesse sentido, é fundamental que os cidadãos e cidadãs exerçam controle social a partir da cobrança a gestores e políticos para a disponibilização e prestação desses serviços mediante monitoramento dos Conselhos de Saúde nos estados e municípios e ainda do Conselho Nacional.

Ausência de tratamento deve ser denunciada

A ausência ou precariedade de tratamento devem ser denunciadas junto às promotorias e procuradorias da saúde do Ministério Público para que – conjuntamente ou pelas atribuições repartidas –, adotem medidas extrajudiciais perante os órgãos públicos e ações judiciais, quando for o caso, para a efetivação desse direito.

Isso porque a Lei n. 10.216/2001, em seu artigo 3°, determina ser de responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde às pessoas com transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família. Ou seja, é responsabilidade das Secretarias de Saúde e do Ministério da Saúde a implantação dos serviços de saúde que garantam o direito das pessoas com transtornos mentais.
O atendimento aos pacientes para a prevenção e tratamento de doenças de saúde mental pode ser realizado através do sistema de saúde público (SUS) nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou uma unidade do programa de Sáúde na Família. Lá a pessoa é encaminhada para tratamento multdisciplinar com médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, além de técnicos de diversas áreas.
Também são serviços de saúde do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilizados a toda a população – tais como ambulatórios de saúde mental e outras unidades preparadas para essa nova abordagem de atendimento, pela qual cuidar já não é mais excluir, e cada usuário pode encontrar ajuda para construir sentidos e mudanças para sua própria vida. Além das Unidades Básicas de Saúde e do Programa de Saúde da Família, que realizam ações de promoção e proteção à saúde mental em vários territórios, há diversas iniciativas – algumas ainda em franco aprimoramento, dentre as quais se destacam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com o tratamento intensivo de pessoas com transtorno mental; os Serviços Residenciais Terapêuticos, ajudando na reinserção social das pessoas que viveram longo tempo internadas; os Centros de Convivência, como núcleos de produção de cultura e espaço de troca entre os usuários dos serviços da saúde mental e a sociedade em geral.

Abordagens múltiplas ajudam

Tomar remédios, conversar na Psicoterapia, praticar uma terapia corporal, pintar, desenhar e várias outras atividades podem ajudar.
Os melhores resultados são obtidos quando esses tratamentos são feitos ao mesmo tempo e quando os profissionais trabalham de forma coordenada.
Vale lembrar que a saúde mental depende, sobretudo, da existência de condições para uma vida digna, e deve contar com a constante articulação de indivíduos, famílias, comunidades e da sociedade como um todo para a construção de um cenário acolhedor, generoso e compreensivo para com a diversidade humana. Como dizem os anglófonos, “it takes a village”.

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