Concessão de BPC: quando o preconceito dos privilegiados sacrifica os vulneráveis

Juiz nega assistência material a criança pobre com deficiência congênita, confirmando a presença, em decisões judiciais, de uma ideologia elitista insensível às desigualdades
DPU recorreu da decisão e avaliou que argumentos do juiz ignoram a “finalidade primordial” do BPC de prover a famílias vulneráveis o mínimo existencial (foto: Zach Vessels/Unsplash)

Bolsa família, bolsa escola, auxílio emergencial, BPC e outros contidos na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – aqueles benefícios implantados pelo governo para ajudar a população a garantir uma existência digna.

Será que eles deixam as pessoas carentes acomodadas?

NÃO.

Os benefícios de assistência social foram criados com a intenção de reduzir os impactos da pobreza, além de reduzir as desigualdades, independente de quais sejam.

O Estado deve garantir o mínimo existencial, e a assistência foi uma maneira encontrada pela Constituição Federal de garantir que esse mínimo supra todas as necessidades básicas existentes na vida de cidadãos e cidadãs brasileiras.

Contudo, um juiz da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Feira de Santana, na Bahia, entendeu que sim ao negar a concessão de um Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) para uma criança com deficiência. Ela tem 5 anos de idade.

De acordo com o magistrado, o dinheiro poderia “dificultar o desenvolvimento” do menino e gerar “acomodação” na família. A criança mora apenas com a mãe e tem a doença de Hirschsprung.

É uma doença incomum (atinge 1 em cada 5 mil nascidos vivos) que já nasce com o bebê, e se deve a uma deficiência ou ausência de fibras nervosas no intestino, o que impede o seu funcionamento adequado para a eliminação das fezes, que ficam acumuladas e causam os sintomas.

Essa deficiência congênita que a criança apresenta desde o nascimento exige dedicação exclusiva da genitora (que é mãe solteira) à criança, ao mesmo tempo em que impõe uma rotina exaustiva entre cuidados com o filho, atividades e afazeres domésticos, e ainda garantir o sustento da família.

Foi pontuado pela defesa da mãe do menino deficiente que mais da metade do salário é destinado à compra de medicamentos não disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

O que é BPC?

O Amparo Social, ou Benefício de Prestação Continuada (BPC) é o benefício resguardado pela Constituição Federal a idosos (com 65 anos de idade ou mais) e a pessoas com deficiência, de qualquer idade, com impedimento de longo prazo, desde que estejam incapacitados para a atividade laborativa e desenvolvimento da vida independente.

Além dos requisitos anteriormente citados, ainda se faz necessário que os beneficiários não tenham meios de manter a sua sobrevivência ou de tê-la provida por algum ente familiar.

No caso concreto, mesmo o menor de 18 (dezoito) anos, fora da idade laboral, que tiver qualquer  enfermidade considerada deficiência incapacitante terá direito ao benefício, já que o BPC independe de qualquer contribuição para a Previdência Social. Esse benefício foi criado no intento de proteger pessoas que estão em situação de miserabilidade.

O critério avaliado para a concessão desse benefício, além das restrições já mencionadas, é de ter a renda per capita familiar inferior a 1⁄4 do salário mínimo vigente. Essa renda é calculada somando todos os proventos daqueles que compõem o grupo familiar, dividindo essa soma pelo número de pessoas que a compõe.

O benefício é de apenas 1 (um) salário mínimo, e não é herdavél ou transferível. Ele apenas é pago como forma de garantir a vida digna do deficiente e cessa com sua morte.

Então não há hipótese de “locupletação” pelos parentes após o óbito.

Na nossa visão, considerando, tão somente os cuidados que uma pessoa com essa deficiência exige e a falta ou dificuldade de tratamento e especialistas na rede pública de saúde (SUS), no mínimo deveria ter sido avaliado o conceito de “acomodação” pelo magistrado. Faltou sensibilidade tanto no julgamento como nas razões utilizados ao julgar a causa.

Desdobramentos

A Defensoria Pública da União (DPU) recorreu da decisão e avaliou que os argumentos do juiz ignoram a “finalidade primordial” do benefício, que é “prover a estes indivíduos o mínimo existencial”.

Vamos aguardar atentos o julgamento do recurso e esperar que o órgão recursal avalie o caso dentro de um melhor critério de humanidade.

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