A violinista mexicana que deixou a orquestra para salvar um ecossistema

Pati mobilizou comunidade para replantar árvores e acabou formando um exército determinado a proteger Sierra Gorda; no Brasil, Caatinga e Cerrado ardem sob queimadas do agronegócio
Musicista clássica de sucesso, Martha Corzo trocou a vida urbana pelo contato com a natureza e acabou formando um exército de ativistas dispostos a frear a degradação ambiental em Sierra Gorda (Foto: Luwadlin Bosman/Unsplash)

Martha Isabel Ruiz Corzo era uma musicista clássica de sucesso em Querétaro, a duas horas da Cidade do México: primeira violinista da orquestra local, solista em dois coros e professora de música em uma prestigiosa escola particular.

No final da década de 1980, Pati, como é conhecida, trocou a vida confortável num centro urbano por uma vida simples, rural e ainda sem energia elétrica em Sierra Gorda.

Ela queria contato com a natureza – mas, de cara, ficou chocada com a degradação ambiental em curso: árvores sendo cortadas desenfreadamente, queimadas descontroladas, abertura indiscriminada de trilhas em meio à vegetação nativa.

Pati mobilizou a comunidade local em torno do replantio de árvores, e em pouco tempo já tinha formado ao seu redor 17 mil ativistas determinados a proteger a remota Sierra Gorda e seu ecossistema.

Cento e trinta reuniões, muitos lobbies junto ao Poder Público e uma petição oficial depois, e enfim Sierra Gorda foi nomeada, em 1997, parte da reserva da biosfera – exatamente uma década depois que as comunidades da montanha lideradas por Pati lançaram o Grupo Ecológico Sierra Gorda como uma organização da sociedade civil e receberam um mandato oficial para conservar a biodiversidade e arrecadar fundos.

“Somos a única área natural protegida no México que foi concebida de baixo para cima”, conta Pati, cujo relato faz parte de uma série multimedia publicada no website da ONU para celebrar lideranças femininas do desenvolvimento sustentável. A área protegida abrange 385 mil hectares, quase um terço do estado de Querétaro.

As conquistas renderam à organização reconhecimento nacional e internacional, como o recente Prêmio Equador 2021 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Hoje, as ações incluem, por exemplo, o Pagamento de Serviços Ambientais (ou captura de carbono), ecoturismo e Lixo Zero, todos aliando preservação ambiental à geração de renda para as famílias.

As vitórias de Pati são mais um exemplo de que o desenvolvimento sustentável do planeta se fará sob uma boa dose de ecofeminismo.

São também um exemplo a ser seguido no Brasil, onde as queimadas no ecossistema Caatinga aumentaram 164% num espaço de apenas dois anos e o Cerrado perdeu 6 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos dez. Na Bahia, empreendimento estrangeiro ameaça o emblemático Raso da Catarina e a sobrevivência da Ararinha-Azul de Lear.

A quem beneficia a devastação sob justificativa de crescimento econômico?

Praticamente no mesmo período em que o PIB do agonegócio cresceu 9% e atingiu quase 30% do PIB nacional, cinco milhões de novos brasileiros desceram para abaixo da linha de pobreza, que agora conta 28 milhões de pessoas – provando que o agro nada tem de pop.

Com ajuda de algumas Patis, viraremos esse jogo.  

Artigo publicado pelo Jornal A Tarde, versão impressa, em 06 de abril de 2022

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