É, pelo visto a equipe jurídica do Mickey Mouse vem enfrentando alguns problemas nas últimas semanas.
O motivo é que duas estrelas de sucessos de bilheterias dos estúdios no ano de 2021, (Viúva Negra, protagonizado por Scarlet Johansson, e Cruella De Vil, interpretada por Emma Stone) divulgaram a intenção de processar a Walt Disney por QUEBRA DE CONTRATO.
De acordo com a atriz Scarlet Johansson, a quebra de contrato ocorreu pelo lançamento híbrido de Viúva Negra, que chegou simultaneamente nos cinemas e no canal Disney+, diferente do disposto no contrato, de que o lançamento seria exclusivo nos cinemas. A decisão da Disney, além de contrariar o que havia sido acordado, doeu no bolso da atriz: pelo contrato assinado, ela recebe um percentual do valor obtido nas bilheterias.
Após a confirmação da abertura de processo pela assessoria da estrela de Viúva Negra, a atriz Emma Stone, protagonista de Cruella, também confirmou estar cogitando processar a Disney pelo lançamento do filme no Disney+.
O filme já está disponível gratuitamente na plataforma. Segundo o ex-editor do THR, Matt Belloni, em sua newsletter What I’m Hearing, a artista está “avaliando suas opções”. No mesmo texto, ele diz que Emily Blunt também pode se manifestar após a estreia de Jungle Cruise neste fim de semana.
A resposta da Disney
Em sua defesa, após um pronunciamento de oito horas da equipe de advogados de Scarlett, estrela de Viúva Negra, a Disney publicou uma nota via Variety, onde se defende das acusações.
“Não há mérito algum neste processo. É especialmente triste e angustiante o seu desrespeito implacável pelos terríveis e prolongados efeitos da pandemia da Covid-19”, disseram representantes da gigante do entretenimento.
Então, meu caro leitor, a primeira impressão que pode surgir em nós é instintivamente questionar a sensibilidade da atriz que protagoniza a Viúva Negra perante as políticas de combate à disseminação do coronavírus, que continua levando alguns milhões de seres humanos de todo o planeta à morte.
Mas será que é só isso que está por trás desse processo? A resposta a essa pergunta ficou a cargo do empresário da atriz, Bryan Lourd, um dos diretores da CAA, uma das maiores agências de talento de Hollywood, que representa vários artistas contratados pela Disney. E ele detonou o estúdio, chamando a Disney de “sem vergonha”.
“Eles acusaram falsamente e sem nenhuma vergonha a Sra. Johansson de ser uma pessoa insensível com relação à pandemia de Covid-19, tentando fazê-la parecer alguém que eles e eu sabemos que ela não é. A empresa ainda incluíu o salário dela na sua declaração para a imprensa, em uma tentativa de usar o seu sucesso como artista e mulher de negócios para constrangê-la. Ela não tem nada do que se envergonhar”, ele frisou em seu comunicado.
As reais razões do processo
Deixando de lado o bafafá típico do mundo das celebridades Hollywoodianas, vamos fazer aqui um exercício de analisar o aspecto jurídico da situação – a suposta quebra de contrato – dentro de um contexto hipotético em que o caso tivesse acontecido envolvendo uma estrela e um estúdio de cinema brasileiros.
O Direito Civil brasileiro determina, em primeiro lugar, que os contratos existem para serem cumpridos. Esse é um postulado que nasce da tradução livre do latim pacta sunt servanda. É muito mais que um dito jurídico, porém. Encerra um princípio de Direito, no ramo das Obrigações Contratuais.
O princípio pacta sunt servanda é consequência imediata da autonomia da vontade. Isto porque, desde que as partes estejam de acordo e queiram se submeter a regras por elas próprias estabelecidas, o contrato obriga os contratantes como se fosse lei.
No Brasil, trata-se de um princípio não escrito, mas nem por isso menos importante. Por ser um princípio geral do direito contratual, cuja desobediência acarreta consequências previstas em lei, podemos dizer que é um princípio consagrado. Afinal, de que valeria a autonomia da vontade se os pactos não tivessem força vinculativa e obrigatória entre as partes?
Pois bem, mas Dra., esse princípio é absoluto? E se o contrato ficar impossível de ser cumprido, e tiver que ser revisto?
Não, ele não é absoluto, e há hipóteses em que os contratos poderiam ser revistos ou até ter sua cláusulas declaradas nulas por direito. Diversas são as hipóteses em que o princípio da força obrigatória dos contratos é afastado. Algumas das exceções decorrem da lei e podem ser previstas no próprio contrato, como a resolução (art. 474, do CC), ou a resilição unilateral (art. 473, do CC).
A revisão do contrato no caso Walt Disney
As leis que regem o direito civil dispõem que, havendo mudança substancial e imprevisível entre o momento do pacto e de sua execução, deve o contrato ser alterado – e, portanto, revisado.
Neste caso, tomamos a hipótese de que o contrato para execução e disponibilização do filme tenha sido assinado anteriormente à situação pandêmica, sem naturalmente prever a extensão dos seus danos, e que, portanto, precisasse ser revisado.
Contudo, muito embora a Disney+, em suas alegações, tenha acertadamente assinalado que o momento não é de se aglomerar ou promover reunião de pessoas nos cinemas, e tenha disponibilizado o filme simultaneamente na plataforma streaming “na melhor das intenções”, temos que houve grave erro ao alterar unilateralmente as condições contratuais sem a prévia ciência e sem comum acordo entre todas as partes que anteriormente haviam assinado.
O contrato, sim, poderia ser revisto em razão do cenário mundial e com a finalidade de evitar aglomeração de fãs nas salas de cinema. Mas, da forma como foi executado pela Walt Disney, onerou demasiadamente uma parte (as atrizes) em detrimento dos ganhos excessivos da outra parte, a Walt Disney e a Disney+, cujo potencial de ganhos, aliás, também está calcado na capacidade individual dessas atrizes de atraírem público para as produções.
Da forma como os estúdios Disney procederam, lançando simultaneamente o aguardado filme no streaming, as atrizes ficaram penduradas na brocha: por um lado, foram prejudicadas nos ganhos de bilheteria previstos no contrato, por outro não tiveram nenhuma compensação financeira resultante da mudança de rumo – coisa que o milionário estúdio poderia perfeitamente ter negociado em lugar de simplesmente agir unilateralmente traindo o que havia sido acordado entre todas as partes, de boa fé.
Por outro lado, em cima do prejuízo das atrizes a Disney+ faturou mais do que o previsto, posto que é uma plataforma paga e o aumento dos acessos e aquisições se deu exatamente pelo momento de pandemia, por se tratar de filme recém lançado.
Assim, quando se tem uma parte extremamente prejudicada perante a outra em virtude de alguma alteração no contrato, ocorre o desequilíbrio contratual. O desequilíbrio contratual é um exemplo dessas colisões principiológicas, já que o prejuízo de um dos contratantes, aliado a outros requisitos, enseja o afastamento do vínculo contratual. É bem verdade que a resolução por onerosidade excessiva está prevista no Código Civil de 2002, em evidente proteção ao equilíbrio contratual, princípio social consagrado.
Como resolver essa questão
Antes do lançamento do filme, dever-se-ia dar ciência às partes assinantes da alteração contratual e sido aberta uma negociação para que se chegasse a uma resolução amigável e vantajosa para ambos os lados.
A HBO Max por exemplo, na ocasião da estreia do filme Mulher Maravilha, formalizou um acordo com a protagonista Gal Gadot no valor de 10 milhões correspondente à parcela do streaming. Dessa forma, o filme foi lançado simultaneamente, as pessoas que optaram ir ao cinema o fizeram, e os ganhos pelos aumentos de acesso na plataforma streaming também foram distribuídos com o elenco. Justo né?
ESTAMOS DE OLHO DISNEY. Não é sobre pandemia não é mesmo?
Impressiona o fato de a Disney descuidar-se de providências como abertura de negociação prévia. Evitável, este tipo de conflito é danoso para qualquer companhia, inclusive as gigantes. Maior o porte, maiores os prejuízos .