Sobre meninas e lobos

Na esteira do furacão Katrina, que teve efeitos trágicos sobre o Sudoeste americano em 2005, a taxa de estupros no estado do Mississipi aumentou 53,6 vezes – e as principais vítimas foram as mulheres e meninas desabrigadas pelo cataclisma e que foram alocadas pelo governo em trailers em áreas públicas.

Em Porto Rico após o furacão Maria, de 2017, ONGs como a Escape, que operam na assistência e prevenção da violência de gênero no país, receberam 62% mais pedidos de socorro que o usual, todos vindos das comunidades afetadas: sem energia nem serviços de telecomunicações devido à catástrofe, as vítimas ficaram sem contato com as autoridades policiais e viraram alvo mais fácil dos abusadores.

Em Bangladesh, uma pesquisa de campo conduzida após o ciclone Sidr em 2007 apontou um aumento do tráfico de mulheres e meninas oriundas dos distritos afetados pela calamidade. Em seu relatório “O nexo entre as mudanças climáticas e o tráfico humano”, de 2016, a Organização Internacional para Migração revelou que redes criminosas passaram a operar na região afetada pelo desastre, mirando sobretudo em viúvas, homens desesperados para cruzar a fronteira para encontrar emprego e renda na Índia – e, às vezes, famílias inteiras. As vítimas do tráfico foram forçadas a prostituição e trabalho pesado análogo à escravidão.

Após o terremoto de magnitude 7,8 que devastou Katmandú, no Nepal, a taxa detectada de tráfico humano no país aumentou de 3 mil a 5 mil em 1990 para de 12 mil a 20 mil pessoas a partir de 2015; as famílias em desespero recebiam ofertas de vender suas filhas por $500 dólares. O relatório sobre Tráfico de Pessoas da Comissão de Direitos Humanos do Nepal estimou em 2020 que cerca de 35 mil pessoas, entre elas 15 mil mulheres e 5 mil meninas, foram vítimas desse crime entre 2015 e 2018.

Em comunidades rurais impactadas pela seca em Uganda, comerciantes de alimentos, agricultores e proprietários de terras tiram vantagem da escassez de recursos exigindo sexo das mulheres em troca de comida. A situação foi testemunhada por três profissionais do Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) que ali viveram temporariamente.

Na Etiópia, o levantamento “Horn of Africa: a call for action”, lançado pela Unicef em 2017, reportou como consequência das estiagens prolongadas o aumento no número de crianças entregues para casamentos prematuros em troca de cabeças de gado.

Os exemplos neste artigo são para ajudar a entender como os efeitos das mudanças climáticas fazem a violência contra mulheres e meninas aumentar em todo o planeta. E que, para milhões delas, reverter os avanços da destruição ambiental é uma questão de sobrevivência.

*Artigo publicado no jornal A Tarde, versão impressa, em 09 de agosto de 2022.

Aquecimento globalClima & GêneroecofeminismoLei Maria da PenhaViolencia contra a mulher
Comentários (0)
Adicionar comentário