A maioria das metrópoles em todo o planeta é insegura e hostil para mulheres e meninas.
Eu poderia citar dezenas de estatísticas recentes sobre a violência nas cidades brasileiras, mas para este artigo vamos ficar com o estudo divulgado no final de 2022 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Universidade de Liverpool e a organização Arup, do Reino Unido.
O documento Cities Alive: Designing Cities That Work for Women (“Cidades vivas: desenhando cidades que funcionem para as mulheres”) revelou que as cidades de todos os continentes falham nas necessidades de segurança e bem estar de suas moradoras, sendo o assédio sexual e a falta de banheiros os problemas mais recorrentes. Baseado em experiências de mulheres e meninas, bem como em uma revisão completa de dados e pesquisas científicas, o estudo pede ação urgente para remover o preconceito de gênero embutido nas áreas urbanas.
E, para os gestores locais com vontade política de fazê-lo, nem é preciso reinventar a roda. As agências internacionais estão empenhadas em que o planeta acelere em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ávidas por oportunidades de cooperação local.
Uma delas é a ONU Habitat, que desenvolveu a ferramenta Her City (“A Cidade Dela”) partindo do princípio de que envolver mulheres e meninas no desenvolvimento urbano trará cidades melhores para todos. A metodologia foi desenvolvida em cooperação com especialistas e gestores públicos do desenvolvimento urbano e oferece um processo de baixo custo que contém nove fases e é guiado por uma diretriz digital sobre como co-planejar cidades sob o olhar de mulheres e meninas.
A Her City Tool Box não está massivamente utilizada, mas as experiências existentes provam que ela pode ajudar a redesenhar os espaços públicos urbanos de modo a torná-los mais inclusivos e seguros.
Um exemplo está em Beirute, Líbano, na reconstrução das longas escadarias públicas de Vendome, St Nicholas e Laziza destruídas em 2020 pela explosão do porto na esteira de conflitos políticos. Junto com as ONGs Block by Block, CatalyticAction e a prefeitura de Beirute, a ONU Habitat participou do redesenho dos acessos aplicando a Her City.
No caso da escadaria Vendome, mais de 40 moradoras de diferentes idades, etnias e nacionalidades tiveram voz no processo participativo que resultou em um equipamento público construído com material sustentável e dotado de corrimões com “alto falante” para comunicação entre as extremidades, painéis interativos pintados por meninas, escorregadeira, áreas sombreadas e bancos de madeira.
Outros casos de sucesso estão em Joanesburgo (África do Sul), Nairobi (Quênia), Flemingsberg (Suécia), Koge (Dinamarca), Lima (Peru), Gaza e Cisjordânia (Palestina), Chennai e Delhi (Índia).
Se a Bahia é atualmente o estado mais perigoso para as mulheres (segundo o Monitor da Violência divulgado este ano), as cidades baianas podem bem fazer sua parte empoderando mulheres a redefinirem os espaços públicos que hoje as oprimem.
Texto claro e inteligente sobre a importância das meninas e mulheres para a plena realização da Agenda 2030. Reforça ainda o papel do ONU-Habitat dentre as agências da ONU responsáveis por políticas transversais ligadas à nova Agenda Urbana, a localização dos ODS e a promoção da equidade de gênero. Lições a serem extraídas por agentes públicos brasileiros.
Silvio Albuquerque
Embaixador do Brasil no Quênia
Representante Permanente junto à ONU – Nairóbi