Na esteira do massacre que matou cerca de 1 milhão de ruandeses em 1994, pôs outros 2 milhões no exílio e reduziu a população masculina a 30%, as mulheres de Ruanda romperam as amarras do patriarcalismo, da representatividade política nula e da submissão econômica para reconstruir o país.
Ruanda é hoje o líder mundial de promoção da igualdade de gênero: dados da Inter-Parliamentary Union em 2019 mostram que elas ocupam 61,3% dos assentos no parlamento (no Brasil, seguimos empacadas em 15%) e atingiram paridade nos gabinetes do Executivo, onde elas são 50%.
Enquanto Ruanda ainda limpava o sangue dos Tutsi, as mulheres entenderam que era hora de cumprir as funções até ali reservadas aos membros masculinos da sociedade. Reunidas em grupos de pressão, as viúvas brigaram primeiro pelo direito à propriedade da terra nesse país que tem uma densidade populacional média de 300 pessoas por km² e 91% da população dependente da agricultura para subsistência.
Com isso, inauguraram uma legislação ambiental ecofeminista: em Ruanda, somente os integrantes masculinos da família podiam ficar a cargo da terra. Hoje, as solteiras têm 24% de toda a terra contra 14% dos solteiros (os casais têm 58,3%).
E mulheres no controle da terra faz todo sentido. As evidências coletadas pela Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) mostram que a garantia da posse da terra para mulheres está associada a níveis mais elevados de investimento e produtividade na agricultura, maior renda e bem-estar social. Isso inclui maior poder de barganha nos níveis familiar e comunitário, melhor nutrição infantil e níveis mais baixos de violência de gênero.
De acordo com a ONU Mulheres, menos de 20% dos donos de terras no mundo são mulheres. Inversamente, afirma a UN WomenWatch, as agricultoras respondem por 45-80% da produção de alimentos nos países em desenvolvimento (o percentual varia por região).
Desde o início dos anos 2000, Ruanda testemunhou boom econômico e alta no padrão de vida dos ruandeses. Em 2019, a agricultura representava 29% da economia, com o café e o chá liderando a produção.
Mais: ao adotar uma jurisprudência feminista e colocar as mulheres no controle da terra, o país escreve lição sobre sustentabilidade em um momento crítico para o meio ambiente. Pesquisa feita em uma área piloto detectou que as mulheres dobraram os investimentos na preservação do solo, e que elas iniciam ou mantêm investimentos em diques, terraços e barragens mais frequentemente que os homens.
No Brasil, onde a estrutura de propriedade da terra segue intacta há 500 anos e 1% dos proprietários controlam 45% do nosso solo (e seus recursos), a reforma agrária já tarda. Mas, quando vier, que se espelhe no exemplo das mulheres de Ruanda.