A comunidade onde você mora tem alguma reivindicação? Saiba qual a melhor forma de reclamar na justiça

Ação civil pública tem garantido vitórias judiciais a grupos e comunidades. O instrumento, assegurado em nossa legislação, pode e deve ser usado quando existem ameaças e ofensas a direitos coletivos ou difusos.

Em 2016, uma comunidade inteira comemorou vitória na Justiça. Seus integrantes queriam ter o simples direito a acessar uma área pública de lazer: a praia, a eles bloqueada pelos interesses privados da indústria do Turismo, dos condomínios de luxo e pela (conveniente) inércia da Prefeitura.

Para assegurar o usufruto de um direito tão óbvio, a Associação Comunitária Morro das Pedras acionou o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) contra o Município de Florianópolis (SC), o  Morro das Pedras Praia Hotel Hotelaria e Turismo, o  Condomínio Residencial Albatroz, o Condomínio Horizontal Village das Alamandas e o Condomínio Village das Hortênsias.

O resultado foi uma sentença judicial favorável mandando demolir, desobstruir, demarcar, sinalizar e identificar os acessos à praia num prazo de 30 dias sob pena de pagamento de uma multa de R $10.000,00 por dia mais a responsabilização pessoal do Prefeito.

Em 2017, na outra ponta do país, 111 famílias moradoras de uma ocupação chamada Raízes da Praia, em Fortaleza, conseguiram finalmente ter acesso a um outro direito básico da cidadania, a energia elétrica.

A batalha durou quatro anos e elas foram representadas na Justiça pela Defensoria Pública do Estado do Ceará – uma demanda vitoriosa contra a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor) depois de várias tentativas fracassadas de acordos amigáveis.

Em 2020, no Planalto Central do Brasil, moradores de uma comunidade chamada Jardim Botânico 3 triunfaram, em um primeiro round, contra a rede de atacadistas Super Adega, que foi condenada em sentença judicial a restituir a área pública invadida e a pagar indenização milionária às famílias.

Nesse caso a ação foi impetrada pela própria Associação de Moradores com base nos argumentos de que a empresa de supermercados do DF construiu sem licenciamento, desrespeitou as normas de construção e invadiu áreas públicas.

Cabe recurso – mas, caso a primeira decisão seja mantida, a Super Adega, além de desobstruir e restituir imediatamente a área pública invadida terá que pagar indenização de R$1 milhão por danos morais e coletivos à comunidade.

Mas o que têm em comum as vitórias judiciais em Florianópolis, Fortaleza e Brasília?

Ora, todas elas advieram de um instrumento legal (e talvez menos usado pela sociedade do que poderia) chamado ação civil pública, criado pela lei nº 7.347/1985 para proteger grupos de pessoas contra os danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

São ações que vão culminar na condenação em dinheiro ou no cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

As associações – sejam elas de moradores, de classe, profissionais, representantes de grupos específicos da sociedade – têm legitimidade assegurada na lei para propor ação civil pública em nome da coletividade, contanto que atendam às exigências de estarem legalmente constituídas há pelo menos uns anos e de terem, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A lei estabelece que, para associações, a ação civil pública é gratuita, (salvo em casos de comprovada má-fé, quando por exemplo a ação é proposta sem nenhum fundamento).

Mas uma coletividade pode também buscar a representação do Ministério Público e/ou da Defensoria Pública. Outros entes que podem ingressar com ação civil pública são União, Estados, Distrito Federal e Municípios; autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista.

A ação civil pública é o instrumento, por excelência, de proteção dos direitos coletivos e difusos – mas não adianta você apelar para o Google para descobrir quais são esse direitos porque eles simplesmente não estão listados, nem na nossa Constituição, nem em qualquer lei. Foi a lei 7.374/85 que mencionou esses direitos pela primeira vez, somada ao Código de Defesa do Consumidor, mais uma ajudinha da doutrina e da jurisprudência.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nos traz uma explicação bacana sobre direitos coletivos. Segundo a entidade, “os direitos coletivos são conquistas sociais reconhecidas em lei, como o direito à saúde, o direito a um governo honesto e eficiente, o direito ao meio ambiente equilibrado, os direitos trabalhistas. Quando um direito coletivo não é respeitado, muitas pessoas são prejudicadas e o Ministério Público tem o dever de agir em defesa desse direito, ainda que o violador seja o próprio Poder Público”.

Então os exemplos de ameaças a direitos que podem ser alvo de uma ação civil pública são inúmeros – a poluição dos recursos hídricos, a ausência de serviços públicos como  água e energia em uma rua, bairro ou comunidade; a propaganda enganosa feita por uma marca de produtos, a falta de moradia digna, o aumento desproporcional das prestações de um consórcio, os danos causados a passageiros de uma companhia de ônibus interestadual em razão de um acidente, a melhoria de acessibilidade a um edifício, público ou privado (como uma universidade ou faculdade), para pessoas cadeirantes; o cancelamento de um adicional de insalubridade a que faz jus uma determinada categoria profissional.

Este vídeo curtinho e muito didático da Advocacia Geral da União (AGU) explica sobre ação civil pública:

Minha dica: O filme Erin Brockovich, do ano 2000, que teve Julia Roberts como protagonista, contou a eletrizante história real da batalha jurídica travada por uma comunidade da Califórnia contra uma companhia de energia (Pacific Gas & Electric Company) que contaminou recursos hídricos e trouxe danos à saúde das famílias, inclusive câncer. Apesar da história ter ocorrido nos Estados Unidos, ela é um excelente exemplo do triunfo de um grupo de pessoas que lutou pela garantia de seus direitos usando um instrumento legal análogo à nossa ação civil pública. Para dar uma espiada no trailer do filme, clique aqui.

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