Por Ludmilla Duarte*
As comunidades indígenas ou tradicionais perfazem 5% de toda a população do planeta, mas é na porção minoritária de terras por elas habitadas que hoje sobrevive 80% da biodiversidade que ainda resta à humanidade. O dado é do Forum Permanente das Nações Unidas para Questões Indígenas – e essa nem é a estatística mais impactante envolvendo os povos detentores do maior volume de conhecimento e de práticas aplicadas à preservação dos ecossistemas.
Num momento em que os impactos da mudança climática alarmam o mundo e especialistas ilustrados tentam encontrar alternativas que garantam oxigênio para as gerações futuras, esses guardiões da natureza são o maior percentual de ativistas dizimados a bala: mais de um terço dos homicídios de líderes ambientais têm indígenas como vítimas; eles foram alvos de cinco em cada sete assassinatos em massa; três em cada quatro ataques estão nas Américas – onde Colômbia, México e Brasil, nesta ordem, lideram a estatística em números absolutos.
Os dados foram repisados por Jago Wadley, senior campaigner da ONG Global Witness (que produz o relatório desde 2012) durante o Green Tent (ou Tenda Verde), evento paralelo à 5ª Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, em Nairobi. Em 2020, foram 227 defensores do meio ambiente assassinados no mundo; de 2012 a 2020 foram 1.540, com o Brasil registrando o maior número: 317 vítimas.
É pelas mãos das atividades econômicas mais nocivas ao ecossistema que a violência é perpetrada. Segundo a Global Witness, 286 dos homicídios rastreados em oito anos estão ligados às indústrias mineradora e extrativista, 151 ao agronegócio e 148 às madeireiras.
A região mais violenta para ativistas ambientais tampouco possui um instrumento internacional juridicamente vinculante como a Convenção de Aarhus, firmada no âmbito da Comissão Econômica da ONU para a Europa, que conecta direitos humanos e ambientais ao mesmo tempo em que encarrega os Governos da responsabilidade por proteger não só o meio ambiente mas também os seus defensores. Ela vai na jugular da relação entre povos e governos.
Relator Especial da ONU para Direitos Humanos e Meio Ambiente, David Boyd recitou aos países uma cartilha de enfrentamento à violência contra os ecoativistas: ênfase no cumprimento dos direitos nacionais e internacionais, reconhecimento dos títulos de terra aos povos tradicionais, consentimento prévio informado dessas populações para qualquer atividade econômica em suas áreas, substituição das práticas agrícolas nocivas por Agroecologia.
Apesar disso, o evento global pareceu deixar sem resposta a pergunta-chave contida em seu título: “Como assegurar que os defensores do meio ambiente possam cumprir seu papel livremente e em segurança”.
*Ludmilla Duarte é Jornalista, Especialista em Direitos Humanos, mestre em Política Pública e Administração pela Adler University (Vancouver, Canadá) e doutoranda em Política Ambiental na Universidade de Nairobi (Quênia).
- Este artigo foi publicado no jornal A Tarde no dia 02 de março de 2022