Março é um mês feminino.
Não somente porque o Dia Internacional da Mulher (08) é mundialmente celebrado desde 1975, ano em que foi criado no calendário das Nações Unidas, como também porque é em março que, atendendo ao chamado da Endometriosis Association – organização internacional sediada em Wisconsin (EUA) –, pessoas se vestem de amarelo mundo afora em prol da sensibilização sobre a endometriose, uma doença exclusivamente feminina.
Neste 2022, para celebrar o Dia Internacional da Mulher a Organização das Nações Unidas, por meio da ONU Mulheres, conclama o planeta à reflexão e à ação com o lema “Igualdade de gênero hoje para um amanhã sustentável”. É um alerta e também um reconhecimento mundial da heróica liderança que mulheres e meninas vêm exercendo nas tarefas de adaptação às mudanças climáticas, mitigação e resposta em direção a um futuro sustentável para todas as pessoas e para o planeta.
O Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP) já enfatiza aos tomadores de decisões políticas de todos países que o tópico de Gênero e Meio Ambiente vai muito além de simplesmente integrar a perspectiva de gênero às políticas públicas.
Trata-se de compreender que o gênero permeia as interações humanas com o meio ambiente, assim como todo uso, conhecimento e avaliação ambiental. É também sobre compreender que os papéis de gênero historicamente determinados, as responsabilidades, expectativas, normas e a divisão do trabalho moldam todas as formas de relacionamento humano com o meio ambiente.
A escassez hídrica é um dos exemplos mais ilustrativos e comprobatórios de que os danos ambientais afetam os gêneros masculino e feminino de forma desigual.
Porque frequentemente possuem o dever doméstico de cozinhar, lavar, limpar, dar banho nas crianças, as mulheres são as principais usuárias de água. Em comunidades sem água encanada, são as mulheres e meninas que partem em sua busca.
Por outro lado, para que a água seja utilizada de forma sustentável é importante que elas conheçam as inter-relações entre as tecnologias, a forma como são aplicadas e utilizadas no fornecimento de água potável, o descarte de água usada e também questões relacionadas ao saneamento e à saúde.
Por isso, destacam os braços das Nações Unidas para Meio Ambiente e para Gênero, é importante envolver as mulheres tanto no processo de tomada de decisão como na implementação, adoção e uso de tecnologias socioambientais de uso da água – e isso vale também para energia (muitas mulheres ao redor do planeta dependem de carvão ou de lenha para cozinhar) e agricultura (é frequentemente tarefa delas plantar e colher na horta da casa para alimentar a família).
Endometriose: #1em10
Outro tema importante que é debatido neste mês é a campanha mundial do “Março Amarelo”, destinada à conscientização a respeito da endometriose, uma doença que atinge aproximadamente 10% das mulheres em idade fértil, ou seja, cerca de 6 milhões de brasileiras.
No cenário mundial, mulheres europeias recentemente se manifestaram nas redes sociais com a hashtag “#1em10”, referindo-se à proporção de mulheres com a doença, que chega a ser de uma para 10 mulheres jovens, em idade produtiva e reprodutiva. Em pelo menos 60 países, no dia 24 de março são realizadas caminhadas e atos públicos para chamar a atenção da sociedade.
Segundo o médico Drauzio Varela, “endometriose é uma afecção inflamatória provocada por células do endométrio que, em vez de serem expelidas, migram no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal”. Esta enfermidade afeta diretamente o útero, órgão feminino que é o valor simbólico (construção social) de fertilidade, por relacionar-se ao papel de reprodutor da mulher e à sua sexualidade e maternidade.
A atriz americana Lena Dunham revelou ter se submetido a uma histerectomia no fim de 2017. Aos 31 anos, a estrela, produtora e roteirista do seriado Girls apelou para o procedimento cirúrgico devido às dores excruciantes causadas pela endometriose.
A remoção do útero em cirurgias ginecológicas recebeu o nome de histerectomia, palavra grega em que hyster significa útero e ectomia é para remoção. É indicada quando sintomas ocasionados por patologias uterinas, como sangramentos excessivos ou dor, não são solucionados através de tratamentos medicamentosos. Esta cirurgia teve início na Alemanha por Conrad Langenbeckem, em 1813.
De acordo com a ginecologista Drª. Sheila Sedicias, a cirurgia para endometriose é indicada para mulheres inférteis ou que não desejam ter filhos, já que nos casos mais graves pode ser necessário retirar os ovários ou o útero, afetando diretamente a fertilidade da mulher. Assim, a cirurgia é sempre aconselhada nos casos de endometriose profunda no qual o tratamento com hormônios não apresenta qualquer tipo de resultado e existe risco de vida.
Sobre a histerectomia, a Sociedade Iberoamericana de Informação Científica já possui publicações que manifestaram que as intervenções cirúrgicas de histerectomia vêm aumentando no Brasil, onde se estima que aproximadamente 300.000 mulheres (trezentos mil mulheres) por ano são submetidas à extirpação do útero.
Outro ponto importante é que a doença tem impacto socioeconômico e na qualidade de vida da mulher, e os gastos no Brasil são em em torno de 10,4 milhões reais por ano com a doença.
Nos estudos da Sociedade Iberoamericana de Informação Científica foi discutida a necessidade de atendimentos psicológicos antes e depois dos procedimentos com o intuito de identificar possíveis transtornos ocasionados pela retirada do útero, considerando que este historicamente sempre esteve intimamente ligado ao conceito de feminilidade.
Por outro lado, médicos especialistas defendem que os benefícios deste procedimento podem estar diretamente relacionados com o alívio dos sintomas da doença. Portanto, apontam a necessidade de analisar os conceitos aprendidos pelas mulheres a respeito da sua própria feminilidade e o quanto à remoção do útero pode contribuir para o bem-estar da paciente.
Através de atendimentos psicológicos em mulheres histerectomizadas foi observado que elas só dão importância ao útero frente à necessidade de uma histerectomia. Sendo assim, diante da percepção de uma mutilação castradora, elas sofreram abalo em sua identidade feminina, porque para elas o útero simbolizava a sua capacidade sexual, associando à mudança sobre o desejo sexual e a libido, estando incapacitadas sexualmente para sentir prazer.
Para elas, a histerectomia significava mais do que a parada da menstruação, significava uma etapa de perdas. Acredita-se que mulheres consideradas ainda em período reprodutor ao se depararem com a antecipação da menopausa, causada pela histerectomia, sofrem abalo em seu autoconceito e sua imagem corporal, por relacionarem a menopausa a um período de crise e perdas. A menopausa, para a sociedade ocidental, pode significar a perda da beleza física, da juventude e maternidade, aspectos fundamentais para a valorização da feminilidade. Para tanto, a ausência do útero pode despertar sentimentos de desvalia, tristeza e depressão.
Leis garantem tratamento via SUS
Na perspectiva dos Direitos Socias e da retirada do útero provocada por enfermidades tais como a endiometriose (ou outras, como câncer no colo uterino), o que poucos sabem é que o tratamento para infertilidade, independente das suas causas, deverá ser coberto pelo Estado. É um direito de toda cidadã, e o tratamento tem que estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim, mulheres que sofram com infertilidade devem ter seu tratamento custeado pela rede pública, inclusive com todos os procedimentos necessários para buscar a fertilidade – e, quando necessário, os procedimentos de reprodução assistida.
A obrigação de custeio pelo Estado, ou seja, para aquele cidadão atendido pelo SUS, é oriunda do art 226, § 7º da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar prevendo a competência do Estado em propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito – e que é vedada qualquer forma coercitiva, seja por parte de instituições oficiais ou privadas.
Tal previsão constitucional ficou regulamentada pelo art. 9ºda Lei 9.2636/96, que legisla conforme a seguir:
“Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.
Parágrafo único. A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.
Também quanto ao direito de receber o tratamento pelo SUS existe a Portaria nº 426/2005 do Ministério da Saúde, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida e definiu que esta seria constituída por três componentes fundamentais: a Atenção Básica, a Média Complexidade e a Alta Complexidade, sabendo que somente nesta última se enquadram os procedimentos de fertilização in vitro.
Desde 2012, através da portaria 3.149, o SUS oferece o programa de reprodução assistida de inseminação artificial ou FIV.
No mesmo caminho, a Meta 5.6 Nações Unidas, reconhecida internacionalmente como aproteção aos direitos humanos relacionada às questões de gênero visa “assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão.”
O que acontece na prática é que, sempre que falamos de saúde pública, muitos são os entraves e burocracias para que se alcance o fim pretendido, o que dificulta e muito o acesso ao tratamento. Desta forma, caso uma mulher sofra com dificuldades no exercício de seus direitos, poderá ingressar com um processo judicial com auxílio de um advogado particular ou através da Defensoria Pública.