*artigo publicado na versão impressa do jornal A Tarde em 19/11/2021
Obrigada, Aletta Jacobs, Mina Kruseman, Emmeline Pankhurst, e demais meninas da brava primeira onda feminista. Graças a vocês, sua greve de fome e seu destemor diante de um par de algemas, há pelo menos um século podemos votar, divorciar, ir à universidade.
Valeu mesmo, Simone de Beauvoir, Betty Friedan e todas as parceiras da segunda onda. Vocês acertaram no alvo quando disseram que era preciso desmascarar a alegada neutralidade das estruturas sociais, cujo patriarcalismo infecta tudo, da educação às leis, e condena a mulher à submissão e à domesticidade.
Um salve-salve bem alto para Rebecca Walker, Kimberlé Crenshaw, manas da terceira onda! Sim, a luta feminista deve abraçar a todx; nenhuma irmã LGBTQIA+ ou transgênero fica pra trás. Nenhuma negra, índia, amarela; muçulmana ou judia; urbana ou rural; gorda, autista, imigrante. A tal intersecionalidade que vocês desenharam pro mundo resgatou aquela lição das feministas marxistas: se “classe” é um conceito opressivo, o feminismo não pode de jeito algum ser um movimento branco burguês.
O problema é que (e desenganando as irmãs liberais), ter a lei de proteção à mulher mais avançada do mundo não nos tira do topo do ranking de feminicídios, e uma Constituição que estabele a função social da terra por si só não fez a reforma agrária.
O buraco é mais embaixo. Digo, é bem pra cima. Não se trata mais de advogar (ou legislar) por equidade. Mulheres continuam ganhando menos ou ficando desempregadas em maior número, mesmo quando a lei proíbe discriminação de gênero. Têm participação política muito menor e carga de trabalho doméstico imensamente maior – inclusive quando trabalham fora.
Enquanto a ganância capitalista drena os recursos naturais do planeta, mulheres e meninas descem ainda mais baixo na escala de suplício. Crianças são forçadas a casar devido à escassez de alimentos resultante da mudança climática no Malaui; mulheres e meninas são estupradas na África em número crescente quando precisam percorrer trajetos cada vez maiores em busca de água ou lenha para cozinhar (enquanto os homens trabalham fora e os meninos vão à escola).
Nós, a quarta onda, já sabemos que a estrutura política é refém da econômica. Mais que isso: é a insanidade capitalista neoliberal que mantém os pobres, pobres – e as mulheres entre os mais pobres. O planeta em escassez – e as mulheres em mais trágico flagelo. Que alimenta a soberba dos privilegiados – aqueles que não toleram camarão na marmita de sem-teto nem champagne na mesa de sindicalista (não é “ódio de classe”, que chama?); que ainda não entenderam que Pablo Vittar e Jojo Todynho chegaram para ficar, e não vão a lugar nenhum.
Enquanto você dá um google na tentativa de encontrar (inutilmente) um partido político ou qualquer organização viciada por trás do meu nome, eu provavelmente já viralizei mais uma campanha para tirar do Facebook aquela página misógina.
Eu sou a quarta onda.
*Luma Dórea é advogada feminista, especialista em Direito Público, doutoranda em Direito Ambiental na Universidade de Nairobi (Kenya) e autora do blog www.dralumadorea.com.br
Artigo super necessário!!! Parabéns ?❤
Parabéns, Luma!