Gênero, meio ambiente e o silêncio do debate global

É importante reconhecer que a forma como as mulheres interagem com o meio ambiente é fruto das relações sociais que preestabelecem responsabilidades específicas para as mulheres em função de relações de gênero

A relação entre a mulher e a natureza não é recente. Ao longo da história a simbologia está muito presente nas reflexões que instituem no feminino uma proximidade com a natureza

O heróico papel das mulheres no desenvolvimento de ações voltadas para adaptação às mudanças climáticas, à conservação e à restauração do solo, flora e ecossistemas tem sido cientificamente estudado e reconhecido pelos especialistas em meio ambiente.

Tanto assim que a ONU adotou para o Dia Internacional da Mulher de 2022, em 8 de março, o lema Igualdade de gênero hoje para um amanhã sustentável: elas têm sido poderosas líderes quando se trata de mitigação e resposta a desastres climáticos.

Nas savanas africanas, nas ilhas do Sudeste da Ásia ou no sertão brasileiro, é das mulheres a tarefa de buscar a água, a lenha para cozinhar e de cultivar a pequena horta nos fundos da casa. E, enquanto o planeta esquenta, a água desaparece, o desmatamento empurra a lenha para quilômetros adiante e a horta é esmagada pelas secas ou inundações. Em muitos lugares do planeta, conter os efeitos da mudança climática é uma questão de sobrevivência para o gênero feminino.

A quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5) se constituiu como uma oportunidade para os Estados Membros e as Partes Interessadas a compartilharem as melhores práticas de sustentabilidade e criarem impulso para que os governos formulassem planos de recuperação verdes e sustentáveis, após a pandemia de COVID-19 .

Assuntos substantivos foram alvo negociações aprofundadas, incluindo uma Declaração Ministerial sob o tema UNEA-5 “Fortalecendo as Ações para a Natureza para Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Apesar disso, surpreende o silêncio da agenda da Assembleia da ONU para o Meio Ambiente (UNEA 5.2) – que começa segunda, 28 de fevereiro, e vai até 4 de março -, para com a questão de gênero: não há um evento sequer previsto para esse debate, nem entre as reuniões principais nem em meio aos eventos paralelos.

Nos parece um tanto contraditório esse tema cair no esquecimento durante a realização de tão importante evento já que as Organizações das Nações Unidas (UN) dispõe em sua meta de número 5.5: garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública.

Os líderes mundiais, aliás, parecem ter decidido ignorar uma das principais conquistas da lendária Rio-92: desenvolvimento sustentável é um tripé indissociável que reúne o meio ambiente, o social e o econômico. Focar somente no ambiental, como parece ser a opção para 2022, é péssimo para as populações vulneráveis e bastante conveniente para as indústrias.

Ainda em consonância com os temas debatidos na UNEA 5.2, a legislação brasileira, também sobre a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA e traz consigo diretrizes e instrumentos para preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. Alguns dos princípios e principais aspectos da PNMA são: a manutenção do equilíbrio ecológico; racionalização, planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; proteção dos ecossistemas; controle das atividades potencial poluidoras; entre outros.

Ao menos são favas contadas um avanço na Assembleia deste ano em direção ao banimento de plásticos no mundo. Sem dúvida um alento, pois as 353 milhões de toneladas que o mundo produz e descarta (dado do relatório Global Plastics Outlook, da OCDE, recém-saído do forno) bóiam feito ilhas no Oceano e matam a vida marinha por asfixia. Somente 9% desse mundaréu de polímeros não-biodegradáveis é reciclado, afirma o relatório.

 Felizmente o Brasil, provavelmente o maior poluidor por plásticos dos mares e rios sulamericanos, está em sintonia e deve se posicionar favoravelmente.

Na arena diplomática, o cabo-de-guerra com os europeus deverá se dar em torno de outros temas: o das soluções baseadas na natureza como resposta aos eventos climáticos (e, para sermos justos, de fato inexiste até o momento um conceito mundialmente desenhado e acordado sobre o que se trata), e a economia circular – uma ideia simpática na teoria, mas que parece hercúlea em termos práticos.

Em um par de semanas saberemos de que lado a corda vai arrebentar – a menos que o conflito entre Rússia e Ucrânia sabote a Assembleia da ONU para o Meio Ambiente em Nairobi, no Quênia.

  • Este artigo foi publicado no jornal A Tarde no dia 2 de março de 2022
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