Jovens ambientalistas dão lições e exigem voz durante evento da ONU no Quênia

Nova geração de ecoativistas quer atuar junto com políticos, empresários e cientistas para buscar soluções sustentáveis que também reduzam as desigualdades socioeconômicas do planeta
Brasil é o quarto maior produtor mundial de plásticos (11,3 milhões de toneladas anuais) e tem um dos mais baixos índices de reciclagem (1,28%) apesar de possuir uma legislação avançada sobre resíduos sólidos desde 2010 (foto: Anastasia Gepp/Pixabay)

“Minha visão de futuro? Eu desembarco do avião em qualquer país, jogo minha garrafinha vazia de água na lixeira do aeroporto e tenho certeza de que aquele material não vai impactar o meio ambiente, onde quer que eu tenha aterrissado”.

Foi no evento paralelo mais interessante da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5) – e justamente um do qual não fizeram parte os representantes engravatados das 175 nações que endossaram a resolução histórica sobre a poluição plástica no mundo -, que os melhores insights, pensamentos e práticas foram expostos.

Reuse solutions to beat plastic pollution teve tanto de inspirador como de injeção de esperança de que os próximos dois anos de negociação de um instrumento obrigando a abolir os plásticos de uso único não vai dar com os burros n’água (e vai, de fato, remover da água – oceanos, mares, rios, manguezais – as 104 milhões de toneladas previstas para asfixiar a vida marinha até 2030 segundo estimativa da ONG internacional WWF).     

“Os sistemas de reuso precisam se tornar dominantes”, continuou Tiza Marif, uma millenial da Indonésia que aos 29 anos co-fundou o Plastic Bag Diet Movement: o ativismo de Tiza levou à cobrança pelas sacolas plásticas no comércio do país, o que desembocou numa redução de 55% no consumo do item.

“Não podemos perder essa oportunidade porque já estamos atrasados”, avisou o ganense Joshua Amponsen, 30, da Green Africa Youth Organization, sobre “a resolução ambiental mais significativa desde o acordo climático de Paris em 2015” (nas palavras da dinamarquesa Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ao final do evento global da última semana em Nairobi, capital do Quênia).

“E precisamos de regulações nacionais sobre o tema, porque ela não existe em muitos países”, afirma o rapaz com a autoridade de quem vem há anos colecionando pequenas vitórias socioambientais em comunidades pobres de seu país: desde ações de reflorestamento, passando por parceria para produção de aborventes higiênicos reutilizáveis até o Sustainable Community Project, primeiro projeto de desperdício zero em comunidades de Gana voltado para criar empregos verdes e aplicar princípios de economia circular à agricultura e sistemas alimentares.

Nascido na Letônia e radicado na Alemanha, Kirils Jegorovs, co-fundador da ONG Circolution (cuja guerra é contra o descarte de embalagens de alimentos, e a arma é uma solução de reuso permanente, como um sistema de refill) reconhece que a Alemanha está adiantada – o país recicla quase 40% do plástico que produz, maior índice do mundo -, mas fez questão de colocar o dedo numa ferida: países ricos guardam “segredos sujos”, disse ele.

Leia-se: livram-se dos seus lixos “exportando-os” para os países em desenvolvimento e que têm sistemas precários de tratamento de resíduos. Segundo dados da Last Beach Cleanup, sediada na Califórnia, até outubro do ano passado os EUA haviam enviado quase 90 milhões kg de resíduos plásticos para a América Latina, a maior parte para o México, mas uma cota de mais ou menos 500 toneladas para o Brasil.

O Brasil, aliás, quarto maior produtor mundial de plásticos (11,3 milhões de toneladas anuais) possui uma legislação avançada criada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Se tivesse sido colocada em prática ao longo desses 12 anos, possivelmente não teríamos um dos piores índices de reciclagem de plástico do planeta (1,28%; a média mundial é de 9%).

A resolução aprovada em 2 de março pelos Estados-membros da ONU em Nairobi não obriga ao extermínio dos polímeros não-biodegradáveis por decreto. O que ela fez foi estabelecer um Comitê Intergovernamental de Negociação que deve começar imediatamente a costurar um acordo mundial com poder de lei para todos os países que o ratificarem, possivelmente em 2024, para quando a próxima Assembleia está agendada.

A ideia é estabelecer padrões globais para o ciclo de vida completo do plástico, desde o design até seu descarte – o que implica uma transformação radical tanto para os negócios como nas políticas públicas e nos padrões individuais de consumo. Houve quem falasse em fazer o plástico voltar a ser petróleo (fechando o loop, como gostam de dizer os ambientalistas da nova geração).

“Queremos que vocês tomem decisões conosco, e não para nós”, avisou a jovem bióloga indiana Swetha Stotra Bhashyam, da Global Youth Biodiversity Network. “Porque nós temos o talento, a criatividade e a capacidade de pensar fora da caixa”, completou ela, sem se preocupar em poupar empresários presentes: “não confiamos nas empresas: são elas que lucram com esse sistema quebrado”.

Se estiverem bem intencionados, os líderes políticos do mundo encarregados de desenhar um acordo histórico de sustentabilidade do planeta abrirão os ouvidos para a geração que espera ansiosamente se beneficiar dele.

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