Na escala dos trabalhos que me dão orgulho, este certamente está entre os “top five”: fiz parte da equipe que analisou, para a revista Direito Sem Ruído, do Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5631, que questionou a lei baiana de regulamentação da publicidade infantil nas escolas.
Como advogada atuante na área de direitos humanos, pude analisar atentamente como o Supremo Tribunal Federal (STF) construiu um importante precedente em favor da proteção integral da infância.
O Caso e Seus Desdobramentos
Em 2016, o Estado da Bahia promulgou a Lei Estadual nº 13.582, posteriormente alterada pela Lei nº 14.045/2018, que regulamentou a publicidade infantil nos estabelecimentos de ensino. A iniciativa pioneira logo enfrentou resistência: a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) questionou sua constitucionalidade, alegando que o estado havia extrapolado sua competência legislativa.
O que poderia parecer apenas uma disputa sobre competência federativa revelou-se, na verdade, um debate muito mais profundo sobre a proteção da infância frente aos interesses comerciais. A lei baiana buscou criar um ambiente escolar livre de pressões mercadológicas, especialmente quanto à publicidade de alimentos ultraprocessados, reconhecidamente prejudiciais à saúde infantil.
A Decisão Unânime do STF
O julgamento da ADI 5631 resultou em uma vitória significativa para a proteção dos direitos da criança. Por unanimidade, o STF reconheceu a constitucionalidade da lei baiana, estabelecendo um precedente fundamental: os estados não apenas podem, mas devem atuar na proteção da infância, mesmo quando isso significa impor limites à atividade publicitária. O voto do Ministro Relator Edson Fachin, acompanhado pelos demais ministros, fundamentou-se em bases sólidas:
- Reconhecimento da competência concorrente dos estados para legislar sobre proteção à infância
- Alinhamento com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)
- Prevalência do interesse da criança sobre interesses comerciais
- Proteção do ambiente escolar como espaço livre de pressões mercadológicas
A Importância do Precedente para os Direitos Humanos
Como advogada comprometida com a defesa dos direitos humanos, vejo nesta decisão um marco importante por várias razões:
1. Proteção da Hipervulnerabilidade
O julgamento reconheceu a hipervulnerabilidade da criança no contexto do consumo, especialmente no ambiente escolar. Isso reforça o princípio da proteção integral, previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
2. Saúde Pública e Direitos Fundamentais
A decisão estabelece um importante precedente na proteção da saúde pública, reconhecendo que a obesidade infantil é um problema grave que demanda ação estatal efetiva, inclusive por meio de regulamentação da publicidade.
3. Federalismo Cooperativo
O STF reafirmou a importância do federalismo cooperativo na proteção dos direitos fundamentais, reconhecendo que os estados podem e devem atuar de forma complementar à União na defesa da infância.
Perspectivas Futuras
Esta decisão abre caminho para que outros estados desenvolvam suas próprias legislações de proteção à infância no ambiente escolar. Mais que isso, estabelece um importante precedente sobre a possibilidade de regulamentação da publicidade quando em conflito com direitos fundamentais.
Como profissional do direito comprometida com a defesa dos direitos humanos, vejo neste caso um exemplo de como o sistema jurídico pode e deve atuar na proteção dos mais vulneráveis. A decisão do STF demonstra que, quando confrontados direitos econômicos e direitos fundamentais da criança, estes últimos devem prevalecer.
A proteção da infância não é apenas uma questão legal, mas um compromisso social que demanda ação coordenada de todos os entes federativos. A decisão do STF na ADI 5631 reforça esse entendimento e nos dá esperança de um futuro onde os direitos das crianças sejam cada vez mais respeitados e protegidos.